A caixa preta da Urologia
A cirurgia cosmética de pênis ainda é tratada com preconceito pelos Urologistas. É uma verdadeira caixa-preta, e a grande maioria dos especialistas da área comentam com desdém e respondem com evasivas quando questionados a respeito do tema mesmo em congressos.
Ainda hoje este assunto não faz parte do programa oficial do congresso brasileiro de urologia, que é o maior e principal “Medical Meeting” da especialidade urológica no Brasil. No último realizado em novembro deste ano em Fortaleza, mereceu um ínfimo comentário rápido em uma das palestras sem nenhum destaque. Nada foi apresentado nem como pôster não-comentado.
Em outros países como, por exemplo, nos EUA existe até uma associação fundada na Califórnia desde 1994 que é a Academia Americana dos Cirurgiões Plásticos de Pênis, com a finalidade de promover a discussão e o estudo desse polêmico tema. No Brasil, mais uma vez a caixa-preta não foi sequer tocada no seu principal congresso.
Até o momento, nenhum serviço urológico de renome nacional desenvolveu algum estudo sério obedecendo aos mais rígidos critérios científicos sobre cirurgia de aumento peniano, fisioterapia peniana, etc. Mesmo a nível internacional, apenas alguns poucos artigos têm sido publicados nos últimos 10 anos.
Estamos à mercê de oportunistas que cada vez mais vem aparecendo ostensivamente em programas de televisão, jornais, revistas e na internet; propondo e realizando tratamentos e cirurgias para aumentar o comprimento e diâmetro do pênis. Publicam livros e enriquecem à custa do nosso preconceito e ignorância! Nosso e dos nossos ex-pacientes.
Afinal, o “Jes Extender” faz o pênis ficar mais cumprido? Em que consiste as técnicas fisioterápicas de tração? O que é e para que serve a tração elástica e tração Dinamometrica? Cirurgia videoendoscopica para liberar o ligamento suspensor funciona? O que significa e para que serve (e se realmente funciona) os aparelhos Grip System, Grip Leg System, The P.L.D., Starter Kit, etc.
Não sabemos porque temos apenas literatura duvidosa para provar que sim! O avanço do ligamento suspensor do pênis realmente aumenta o comprimento do pênis? Quantos centímetros? Existe retração se não for feito “fisioterapia” no pós-operatório imediato? Deve ser feita? Como? Até quando deve ser feita? A injeção de gordura autóloga em volta do pênis realmente deixa-o mais grosso? A reabsorção é muito grande? Para funcionar é preciso reaplicar quantas vezes? Será que a experiência dos colegas da cirurgia plástica pode servir de referência para nós urologistas?
Não sabemos por que nenhum serviço de referência nada publicou que respondesse as nossas dúvidas! Eu pelo menos não li nada no nosso internacional Brazilian Journal of Urology. Também nunca vi nada em congresso de urologia desde o meu primeiro brasileiro em Belém do Pará em 1987.
Recentemente, ouvi um brilhante colega visitante dando uma aula no curso de pós-graduação da USP dizer que “Estes pacientes que querem aumentar o pênis, se você perguntar às suas parceiras se elas têm queixas quanto ao tamanho, todas irão dizer que não. Na verdade, a maioria delas está satisfeita e nem sabe que o parceiro tem esta preocupação. O problema não é com o pênis!”. Isto é uma meia-verdade.
Muitos trazem problemas de autoestima relacionados ao tamanho do pênis desde antes da adolescência, e isto irá repercutir para o resto das suas vidas no seu desempenho sexual. A maioria tem algum grau de disfunção erétil e dificuldades em estabelecer uma relação estável e duradoura. Não existe psicoterapia que resolva esta questão. Toda vez que ele olhar para seu pênis, o assunto retornará mais forte ao seu subconsciente.
E nós urologistas, impotentes e preconceituosos, iremos perder mais um paciente para oportunistas despreparados e inescrupulosos. Alguns voltaram com mais sequelas físicas, mais pobres de espírito e financeiramente!
E o que fazer do paciente com micropênis que não foi tratado ou foi e não respondeu ao tratamento? Dos pacientes amputados? Dos com pênis epispádicos e hipospádicos para conseguir adequá-los à pratica sexual? Qual a técnica publicada na literatura mundial que têm melhores resultados e que podemos usar nos casos não cosméticos? Qual o livro texto bem escrito que poderemos consultar? Alguém dos nossos serviços mais importantes tem experiência e poderia respaldar ou indicar algum destes tratamentos ou cirurgias? Sinceramente não sabemos por que os trabalhos criteriosos são raríssimos e, portanto, as dúvidas são muitas; já que ninguém quer abrir a caixa-preta da cirurgia e do tratamento de aumento peniano!
As desculpas são as mesmas: “O Conselho Federal de Medicina só permite este tipo de cirurgia experimental se for em ambiente Universitário”. “È muito difícil passar um tema experimental e cosmético realizado em seres humanos pelo conselho de ética do hospital”. “Isto é um assunto controverso e pouco ético para ser tratado no nosso serviço”, finaliza outro. Se algum aluno de Mestrado ou Doutorado tenta emplacar uma tese é fritado sem tempero no “azeite de dendê”. Os únicos estudos bem conduzidos, randomizados, duplo-cegos e com grupo controle foram realizados em patologias como Doença de Peyronie. Quase nada existe sobre pênis curvo congênito. Essa patologia compromete a atividade sexual de muitos homens, e em casos bem selecionados estamos fazendo a interposição de segmentos de pericárdio bovino para retificar e consequentemente aumentar o pênis.
Porque as mulheres podem aumentar e diminuir tudo e o homem não? Prótese glútea é experimental? Foi experimental um dia? Tem cirurgião plástico colocando tela de silicone via aureolar para fixar mama grande e evitar as cicatrizes em T, Y e Z. Isto é experimental? Talvez não porque mama grande, durinha e empinada na mulher apesar de cosmético nos agrada. Infelizmente, parece que vamos ficar sem poder citar um trabalho sério e competente, mesmo que seja para contra argumentar os oportunistas de plantão que assolam os programas dos Jôs, Bábis e Ratinhos da vida, porque a maioria muito ética e competente não quer abrir a cosmética caixa-preta da urologia. Vamos continuar impotentes diante dos muitos pacientes que nos procuram todos os dias e que irresponsavelmente deixamos a mercê de outros “especialistas e das novas especialidades!”.
Artigo publicado pelo Dr. Eduardo Lopes na revista mensal da Sociedade Brasileira de Urologia-BODAU:
– Lopes, Eduardo José Andrade. A Caixa-preta da Urologia. Boletim de Informações Urológicas da Sociedade Brasileira de Urologia, Rio de Janeiro – RJ, v. XVII n. 02, p. 44-45, 2002.